Osso de cristal
Reportagem: Ricardo Miranda - Foto: Hélcio Nagamine
Irmãs: Gabriela não anda, mas se diverte com Graziela (ao fundo), que também tem a enfermidade. |
No meio do caminho havia uma pedra. Roberta voltava da escola de bicicleta. Teve uma queda e fraturou o crânio. Gabriela viu uma borboleta. Com o susto, desequilibrou-se. Quebrou a perna e ficou engessada até o peito. Graziela, sua irmã, ganhou um abraço do pai. Começou a chorar. Um fêmur tinha partido. Julia nasceu! Os médicos contaram: tinha 17 fraturas, várias causadas pelas contrações no útero da mãe. Não há maneira suave de descrever essas cenas vividas por meninos e meninas que parecem feitos de vidro. Apesar disso, essas crianças têm uma vontade de aço de viver. Elas são o resultado de uma combinação genética rara que transforma a máquina do corpo numa armadilha de ossos, músculos e pele. Estima-se que no Brasil vivam 12 mil pessoas com a chamada osteogenesis imperfecta (OI).
Há histórias que parecem coisa de cinema. De fato. O diretor M. Night Shyamalan (Sexto sentido) fez há cinco anos o filme Corpo fechado, no qual Samuel L. Jackson interpreta um certo Senhor Vidro, personagem que desde a infância sofria constantes fraturas. "Muita gente achou que algo tão terrível só existia na ficção", comenta Cláudio Santilli, diretor do departamento de ortopedia da Santa Casa de São Paulo. Pensar em crianças convivendo desde o nascimento com seqüências de fraturas, engessamentos e cirurgias pode nos levar a imaginar jovens paralisados pela dor e pelo medo.
Vida: José Carlos e Fátima
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ISTOÉ encontrou o contrário. No subúrbio do Rio de Janeiro, na periferia de São Paulo, no interior da Bahia ou nas montanhas de Minas Gerais, meninos e meninas não se entregam ao desânimo. É o caso das irmãs Gabriela e Graziela Garcia, que não andam, mas nem por isso deixam de se movimentar com agilidade pela estreita sala de casa, no Rio. Rádio ligado, Graziela, seis anos, balança ao som de calypso, enquanto Gabriela, sete anos, desliza pelo chão usando a força dos braços. Gabriela nasceu berrando - de dor - pelos dois fêmures, uma tíbia e costelas fraturados. Até os três anos, somava 53 "quebras". Graziela também nasceu com OI. E fraturas. É comum que a doença ocorra entre irmãos.
Pesquisa - Entidade que representa os portadores, a Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta (Aboi) acaba de concluir o primeiro levantamento sobre a vida dessas pessoas. Foram ouvidos 207 portadores, que somaram, ao longo de suas vidas, inacreditáveis 4.313 fraturas - uma média de 20 por pessoa. A pesquisa mostra que 60% dos médicos que atenderam tais pacientes não conheciam a doença. Muitos faziam estimativas errôneas a respeito da expectativa de vida das crianças. Davam, no máximo, sete anos. Um engano. Há adultos com a enfermidade. O estudo aponta que, como conseqüência deste erro, elas não têm sido devidamente tratadas: 81% não fazem fisioterapia e 41% não andam ou o fazem com dificuldade.
Geração: crianças como Julia
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Para o estatístico carioca José Carlos dos Santos, presidente da Aboi, ainda é difícil que os outros enxerguem essas pessoas. Ele e a mulher, Fátima, são responsáveis pela pesquisa que retrata a vida dos portadores. O casal conhece essa realidade de perto. Seus dois filhos têm osteogenesis. "Nunca os escondemos. Fizemos questão que tivessem uma vida produtiva", diz José Carlos. O mais velho, Henrique, 21 anos, nasceu com fraturas nas duas tíbias, no fêmur de uma perna e numa costela. Apesar das quebras - foram 46 até a idade de três anos -, ele jamais deixou de estudar. Hoje, cursa engenharia na PUC. "Não se isolar do mundo é a coisa mais importante a fazer", aconselha. Seu irmão, Gustavo, 19 anos, também não foi impedido pela enfermidade. Entre aulas de violão, prepara-se para entrar na faculdade.
Embora a disposição dos portadores seja férrea, a vida deles não é fácil. Há seis anos, a Aboi batalha por melhor tratamento, pressionando o poder público a fazer uma maior distribuição dos medicamentos que combatem a osteogenesis. Há drogas capazes de dar mais qualidade de vida, mas que não chegam à maioria dos doentes, como o pamidronato dissódico. Desde 2002, 11 centros de referência em oito Estados garantem, por meio do SUS, infusões do remédio, que fortalece os ossos. Nas farmácias, a caixa com quatro ampolas custa quase R$ 800. No ano passado, o Ministério da Saúde gastou R$ 265 mil com a OI. O governo reembolsa os hospitais pela aplicação dos remédios.
Só que apenas os centros mais estruturados conseguem comprá-los e depois mandar a fatura", afirma a antropóloga paulista Rita Amaral, 47 anos, portadora da doença e uma das fundadoras da Aboi. Segundo a entidade, pouco mais de 300 pacientes têm acesso ao pamidronato. Por isso, entre as reivindicações está uma ampliação da rede de hospitais capacitados. No Nordeste há apenas dois centros, em Fortaleza e no Recife. Eles estão muito distantes de Várzea da Roça, município de 13 mil habitantes no interior da Bahia, onde moram os irmãos Daniel, 19 anos, e Jéssica Pacheco, 14. Eles já deviam ter iniciado novo ciclo do tratamento, mas não têm como viajar. Daniel, 95 fraturas, não anda e mal sustenta o pescoço. O pamidronato hoje é questão de vida ou morte para ele. Jéssica, 61 fraturas, tem dificuldades até para ficar sentada.
Terapia: infusões de uma
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Progresso - O remédio representa um grande avanço. "Estamos vivendo uma oportunidade única de modificar a história natural dessa doença", afirma Juan Llerena, chefe do departamento de genética do Instituto Fernandes Figueira, no Rio, berço de uma geração de crianças que tomam a droga desde os primeiros dias. Dos 68 pacientes atendidos entre 2002 e 2004, 17 tinham menos de dois anos. A estratégia tem dado bons resultados. É o que demonstram Felipe Rocha, dois anos e oito meses, e Julia de Almeida, dois anos. Felipe começou a usar o remédio aos cinco meses, quando já acumulava fraturas no fêmur esquerdo, no úmero direito e em três costelas. Depois, só teve pequenas fissuras. Um progresso notável para quem foi amamentado até os seis meses sobre um travesseiro para não quebrar.
Como Julia, que costumava ser transportada pela mãe numa caixa acolchoada. Recebendo pamidronato, a menina fortaleceu os ossos, que ainda se ressentem das 17 fraturas sofridas no útero e no momento do parto. Aos dois anos, faz fisioterapia motora. Parece pouco? Rita Amaral explica que, como sobreviventes, os portadores estão acostumados a passar a vida sempre recomeçando. "A gente aprende que os bons momentos são aqueles em que não sentimos dor, em que não estamos quebrados. Não está doendo? Então, a vida é bela", conclui.
2 comentários:
gente o site da ABOI TA CONGELADO,FORA DO AR! COMO AVISAR O ADMINISTRADOR?!
amiga meu filho é portador do tipo 1 da doença ele tem 11 anos e sofreu 5 fraturas,queria saber como era sua vida nesta idade e depois como foi piorando as fraturas pode me dar seu msn?
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