Acessibilidade: Meio Físico.
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra no meio do caminho, tinha uma pedra
Nunca mais me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra no meio do caminho, tinha uma pedra
Nunca mais me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
(Carlos Drumond de Andrade).
Parafraseando o poeta, são várias pedras nos nossos caminhos, que por mais que queiramos não conseguiríamos lembrar de todos os acontecimentos nas nossas vidas.
A acessibilidade ao meio físico está aquém do que já é previsto na legislação brasileira. Porque encontramos tantos obstáculos para desenvolvermos nossas atividades do dia a dia?
A acessibilidade ao meio físico promove a inclusão, a equiparação de oportunidades e o exercício da cidadania para todas as pessoas. Ações que garantam a acessibilidade para pessoas com restrição de mobilidade aos sistemas de transportes, equipamentos urbanos e a circulação em áreas públicas são, nada mais, que o respeito de seus direitos fundamentais como indivíduos.
Enquanto o espaço for produzido a partir dos referenciais do chamado "homem-padrão" (possuidor de todas as habilidades físicas, mentais e neurológicas), é comum que a construção de rampas nas esquinas e de uma determinada percentagem de vagas para estacionamento de veículos adaptados às pessoas com deficiência física, sejam considerados como "suficientes" para taxar o projeto urbano de "projeto inclusivo".
A percepção e a experiência de todos os usuários, no entanto, nem sempre é levada em consideração nestes momentos. Em função da idade, estado de saúde, estatura e outros fatores, muitas pessoas têm que ter um atendimento adequado para receberem informações, chegarem até os terminais e pontos de ônibus, entrarem nos veículos e realizarem seus deslocamentos pelos espaços públicos.
Torna-se necessária uma visão que considera o acesso universal ao espaço, a partir de cenas do dia-a-dia, onde muitos enfrentam dificuldades para realização de ações simples, como o deslocamento até um centro comercial ou de serviços. As barreiras encontradas, muitas vezes são vistas com naturalidade por todas as pessoas, ou até mesmo não reconhecidas.
Todas as iniciativas em termos de políticas públicas devem buscar neutralizar ou minimizar os efeitos negativos da desvantagem no deslocamento das pessoas com mobilidade reduzida, causados pela existência de barreiras físicas. Mas estes processos têm que garantir os princípios de independência, autonomia e dignidade, de forma coletiva e individual.
Neste contexto a acessibilidade não se refere somente às pessoas com deficiência contabilizadas pelo censo, mas também aos idosos, crianças, gestantes, pessoas temporariamente com mobilidade reduzida (vítimas de fraturas e entorses), dentre outras. Com certeza ao garantir o ir e vir das pessoas com deficiência criar-se-á uma situação de conforto e segurança para toda a população.
Tão importante quanto adequar os espaços públicos para garantir a circulação dessas pessoas, eliminando-se as barreiras existentes, é não serem criadas diariamente novas barreiras, o que pode ser percebido na quase totalidade dos municípios brasileiros. Em muitos casos, as barreiras são o resultado, não apenas de projetos que ignoraram a questão, mas no erro de execução; há, ainda, as situações em que a tentativa de acertar não condiz com o conhecimento técnico necessário; e, por fim, encontra-se a falta de manutenção e fiscalização como um dos principais causadores de ambientes inacessíveis.
Desde a assinatura do Decreto nº 5.296/2004, vários segmentos da sociedade brasileira vêm discutindo como se enquadrar em seus postulados. Isto porque este decreto especifica não apenas o como fazer, mas também dá prazos para sua execução. O Ministério Público Federal montou uma equipe com 8 procuradores, que juntamente com a Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, acompanha o cumprimento deste decreto. Contudo, nenhuma ação será efetiva sem a participação das pessoas com deficiência, especialmente dos organismos legitimamente formados, no controle social e monitoramento da correta implementação da acessibilidade.
Acessibilidade: Meios de Informação e Comunicação.
Muitas pessoas não sabem o que é, nem que importância tem, a acessibilidade associada aos meios de informação e comunicação, incluindo várias pessoas com deficiência que não se utilizam de tecnologias específicas para tornar o acesso a elas pleno e possível.
Hoje em dia, existe tecnologia para se comunicar por telefone com uma pessoa surda, apesar desse meio de comunicação ser prioritariamente auditivo; a pessoa cega ou com limitação física severa pode se comunicar via internet, escrever, ler e navegar por suas páginas. Já é possível assistir televisão, filmes e noticiários, sem que alguém tenha que ajudar a descrever as cenas mudas para um assistente cego ou narrar, por meio de sinais, os diálogos televisivos para uma pessoa surda.
Pessoas com deficiência visual ou auditiva podem participar de conferências que tenham vídeos, palestras somente faladas ou com qualquer outro tipo de barreira de comunicação que, sem as tecnologias assistivas adequadas, impediriam o entendimento das informações. A utilização do Braille, da língua brasileira de sinais, da audiodescrição, da legenda oculta ou não, do sistemaDAISY para livros em formatos acessíveis, e muitas outras formas de adequação da informação às pessoas com deficiência estão atualmente disponíveis, apesar de muito pouco ou nada utilizadas pelas emissoras de televisão, editoras de livros, companhias telefônicas, conferencistas, pois permanecem desconhecidas pelas pessoas em geral.
A internet, por exemplo, oferece serviços de utilidade pública, comerciais e de entretenimento que ajudam a todos. Parece ser natural que as pessoas que tenham mais dificuldades de mobilidade para irem a um banco, supermercado, lojas de compras, de verificarem andamento de processos, lerem jornais e outros serviços que demandariam locomoção ou ajuda de outras pessoas para serem realizados, sejam nela incluídas, proporcionando-lhes liberdade de ação, comunicação e obtenção de informações.
Para entendermos o modo de uso da Internet por algumas pessoas, devemos lembrar que existem muitos usuários que atuam em contexto muito diferente do comum. É o caso dos que não têm a capacidade de ver, ouvir ou deslocar-se, dos que tenham grandes dificuldades, quando não mesmo a impossibilidade, de interpretar determinados tipos de informação, dos que não são capazes de utilizar teclado ou mouse e/ou que necessitam tecnologias assistivas específicas associadas e necessárias à navegação, como navegadores por voz ou que apenas apresentem texto.
O decreto federal nº 5296 regulamentador da lei de acessibilidade nº 10098, no que é relativa à acessibilidade na internet, telefonia, televisão e tecnologias assistivas em técnicas e serviços, nos chama a atenção em alguns aspectos fundamentais que deverão, com a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ser ampliados.
No decreto 5296, o acesso pleno à rede mundial de computadores (internet) está limitado às pessoas com deficiência visual, assim como somente aos portais do governo. No artigo 9 da Convenção, item 2 pode-se ler que os Estados Partes deverão tomar medidas apropriadas para: "Promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, inclusive à internet;" E, no artigo 21, referindo-se ao acesso às informações a providenciarem: "Instância junto a entidades privadas que oferecem serviços ao público em geral, inclusive por meio da internet, para que forneçam informações e serviços em formatos acessíveis, que possam ser usados por pessoas com deficiência;".
As palavras-chave "entidades privadas" e "pessoas com deficiência" põem por terra as limitações do decreto brasileiro. Essas limitações legais levavam o mercado de desenvolvimento de sites a fazer permanentemente a pergunta: "quantas pessoas com deficiência visual existem como usuárias da internet?", além da acomodação por parte das empresas particulares por não terem sido inseridas no decreto. Além disso, muitos sites governamentais ficaram restritos em seu acesso às pessoas cegas, deixando pessoas com baixa visão, diminuição auditiva, surdez e pouca destreza manual sem acesso. Alguns sites chegaram mesmo a fazer versões especiais para pessoas com deficiência visual, criando sites paralelos e excludentes, fora de um acesso comum para todos, com ou sem deficiência.
O Decreto 5296/2004, regulamentador da lei nº 10098, em seu capítulo VI, dedicou 14 artigos ao Acesso à Informação e Comunicação das pessoas com deficiência, regulamentando a telefonia acessível e a utilização dos intérpretes de libras em locais públicos. Felizmente inúmeras providências foram tomadas levando em consideração tecnologias como a audiodescrição, legenda oculta e outras.
O governo brasileiro, através do que denominou Governo Eletrônico, estipulou diretrizes para que seus sites fossem acessíveis. Não faltaram iniciativas oficiais para que se realizasse acessibilidade nos sites públicos. No caso da audiodescrição, infelizmente, o governo, através do Ministério das Comunicações, tem protelado a execução da lei e seu decreto regulamentador a pedido das emissoras de TVs, emitindo inúmeras portarias incongruentes, não respeitando a própria lei de acessibilidade, seu decreto regulamentador, nem a Convenção já ratificada pelo Congresso Nacional.
Consideramos que, devido à relevância que possui para a acessibilidade das pessoas com deficiência aos meios de comunicação e informação existentes em uma sociedade moderna, este tema foi tratado com respeito na Convenção, mas interesses diversos podem não trazer os avanços esperados, ainda levando as pessoas com deficiência a muitas lutas, inclusive a de se cumprir a própria lei. Para países onde o tema sequer existe ou é pouco mencionado, será importante para alavancar novas iniciativas.
As empresas, legisladores, governos e sociedade precisam entender que nós, pessoas com deficiência, somos consumidores de serviços, produtos, pagadores de impostos e estamos aí querendo igualdade no tratamento e respeito às nossas diferenças.
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