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domingo, 1 de julho de 2012

DEFICIENTE DO PESCOÇO PARA BAIXO, NÃO PARA CIMA


Victor Vasconcelos
Victor Vasconcelos
Acredito que a melhor forma de começar essa seção de Depoimentos é dando o meu próprio. Tenho 34 anos e nasci com Osteogênese Imperfeita, uma patologia que enfraquece os ossos, dificultando seus portadores de andar e ainda os acometendo de inúmeras fraturas ao longo da vida. Nos meus primeiros 15 anos, tive mais de 50 fraturas, incluindo pernas, clavículas e braços. Para o leigo, esse número pode parecer alarmante e exagerado, mas não é. Qualquer pancada, susto ou desequilíbrio provocava uma fratura. Daí a doença ser também chamada de ‘ossos de vidro’.
Dito isso, é importante salientar que minha infância foi bastante peculiar, permeada por vários períodos de muita dor e limitações. Não podia correr, brincar nem nada que uma criança ‘normal’ faz. Jogar bola, uma das minhas grandes paixões, era impensável. Apesar das dificuldades, fui uma criança feliz. No final dos anos 70, quando nasci, a pesquisa médica para minha doença era bem incipiente. Mesmo meu pai sendo médico e professor da Faculdade de Medicina, não havia informações de tratamento, causa ou cura. Assim, os cuidados para não haver acidentes passaram a ser prioridade na minha família, além, é claro, de não me isolar ou fazer com que eu me sentisse inferior às outras pessoas. Nesse ponto, minha família venceu por goleada. Fui criado igual aos meus quatro irmãos, sem essa de ‘coitadinho’.
Com o passar dos anos, os ossos ganharam mais resistência e as fraturas foram rareando. As limitações físicas ainda existiam e sinto que meu amadurecimento emocional se deu em uma velocidade menor. Eu era o filho caçula e cercado de proteção. Freqüentei escolas normais, jamais fiquei dentro de casa e sempre tive muita facilidade em fazer amizades. Outra goleada de meus pais e irmãos por permitirem que crescesse sem preconceitos ou traumas excessivos. Meu pai sempre me disse: “seu problema é do pescoço pra baixo; do pescoço pra cima, você é igual a qualquer outra pessoa”. Isso significou muito para mim.
Aos 19 anos, entrei para a faculdade de jornalismo na UFC. Fui diretor do Centro Acadêmico, convidado para fazer parte do DCE. Procurei participar de todas as atividades culturais, acadêmicas e políticas que pude. Indo aonde minha cadeira de rodas podia me levar. Fiz grandes amizades, tive minhas paixões, decepções, alegrias, conquistas. Formei-me em 2000, fui eleito para a direção do Sindicato dos Jornalistas por duas vezes. Cresci muito e aquele amadurecimento tardio agora já não existia. No entanto, faltava eu fazer algo sobre minha deficiência. Nunca participei de grupos ou associações de deficientes físicos. Nunca tive contato com outros iguais a mim, nunca compartilhei minhas experiências com iguais. Isso nunca me fez falta até a entrada na faculdade.
Em 2008, comecei a mudar essa realidade. Criei um programa de rádio intitulado Sem Barreiras, na Rádio Universitária, junto com o amigo Fred Miranda. Entrevistei cinco pessoas – um deficiente visual, dois cadeirantes, um arquiteto e uma educadora. Identifiquei-me com muito do que foi dito. Percebi também que esse muito me causou um certo desconforto. Infelizmente, não pelo desconforto, o programa não foi ao ar. No entanto, aqueles assuntos eram sérios demais para serem perdidos. Três anos depois, entra no ar o Sem Barreiras, agora na internet. Como diz o título ‘Acessibilidade e cidadania andam juntos’, será esse o mote do site. Esse foi o mote de minha vida, sempre ciente dos meus direitos e das minhas obrigações como cidadão. O objetivo agora é ajudar as pessoas a entenderem que somos todos cidadãos. Este espaço está aberto a quem quiser compartilhar seu depoimento.
Victor Vasconcelos, jornalista e idealizador do site Sem Barreira

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